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Entrevista com Monize Moura, uma das vencedoras do Prêmio Solano Trindade 2024

Em 21 de novembro, a partir das 19h, a SP Escola de Teatro e o Selo Lucias lançam o livro Eternizar Em Escrita Preta – Volume 5, livro que compila as três dramaturgias vencedoras do Prêmio Solano Trindade 2024.

O novo volume traz as criações dos três premiados em 2024: César Divino (Minas Gerais), com o texto “Memórias de Um Afogado”; Michel Xavier (São Paulo), com o texto “Boreta”; e Monize Moura (Sergipe), com o texto “Depois da Fronteira”.

No dia, o livro será distribuído gratuitamente ao público e também estará disponível para download na internet.

A atriz e professora Monize Moura é uma das vencedoras desta edição.

Ela é atriz e professora de teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Iniciou sua trajetória no teatro amador, em Aracaju (SE). Formou-se como atriz na Escola de Teatro da UFBA. Em Salvador, participou dos grupos Vilavox e Fraternal, pelo qual foi indicada ao Prêmio Braskem de Teatro 2007, na categoria melhor atriz. Dedica-se desde 2011 à pesquisa em História do Teatro, com mestrado pela Universidade de Estrasburgo e doutorado pela Universidade de Paris-Saclay e UNIRIO. Desde 2017, integra o corpo docente do Departamento de Artes da UFRN. Coordena o projeto Memória do TAM, voltado à preservação do acervo documental do Teatro Alberto Maranhão, em Natal-RN. “Depois da Fronteira” é sua primeira dramaturgia.

Confira a entrevista com Monize Moura:

Seu texto vencedor foi “Depois da Fronteira”. Pode nos falar um pouco dele? O que os leitores podem esperar quando o livro sair no dia 21?

Essa minha primeira dramaturgia se desenvolve a partir de duas situações-limite que são vividas por duas mulheres do Sul Global, que no texto chamo de Mulher 1 e Mulher 2. A primeira vai morar em Paris, mas percebe que só conseguirá entrar na França se retirar todos os seus órgãos. Já a segunda se depara com a morte da mãe, uma pessoa que guardava muitas fotografias e outros objetos, e pouco antes de morrer decidira queimar todos esses pertences. Mulher 1 e Mulher 2 se encontram, uma carregando as cinzas de seus órgãos, a outra carregando as cinzas dos pertences da mãe. A peça mostra elas tentando dar lugar a estas cinzas e reflete sobre a fronteira existente entre as duas personagens. O texto flerta com o absurdo dessa situação e trabalha com uma temporalidade não linear, discutindo questões como as burocracias do cotidiano e as múltiplas fronteiras que encontramos – entre países, entre indivíduos, entre vida e morte. Por fim, penso que identidade/memória é um dos temas fundamentais dessa dramaturgia, o que leva a discutir coisas como a diáspora africana, a branquitude no Brasil colonizador, o silenciamento da memória preta e como tudo isso afeta nossa identidade.

Como foi seu processo de escrita de “Depois da Fronteira”?

Esse é meu primeiro texto para o teatro. Ele veio a partir da necessidade que senti de elaborar questões que apareciam para mim enquanto pesquisadora e professora de história do teatro brasileiro. Como professora da UFRN, também cuido da preservação do acervo teatral de um teatro criado em 1904 pelas elites natalenses, então eu estava mergulhada nessas questões envolvendo memória e esquecimento. O processo do texto começou em 2023 e ele passou por diferentes versões, absorvendo conhecimentos e práticas de duas oficinas das quais participei, uma com o Henrique Fontes, do grupo Carmin, e outra com Victor Nóvoa, da A Digna. Outra fonte marcante para a dramaturgia de “Depois da Fronteira” foi o relato de um sonho que tive, que me era muito recorrente anos atrás, da época que morei na França, dos meus 20 aos 28 anos. Morar na França foi uma experiência marcante, mas em certo grau dolorosa. No sonho, eu só poderia entrar na França se eu retirasse todos meus órgãos. Essa cena absurda, junta de outras tantas situações absurdas de minha trajetória, me levaram a discutir tais questões de identidade, uma identidade racializada. Por exemplo, na França era muito comum as pessoas me perguntarem se eu “tinha origens”, querendo dizer que me liam como mestiça e, portanto, queriam saber quem na minha família era negro e quem era branco. Importante falar também que muitas pessoas leram o texto durante o processo e foram essenciais. As dramaturgas Vana Medeiros e Monica Santana fizeram apontamentos muito importantes e me ajudaram a chegar na versão final.

Quais são suas grandes inspirações dramatúrgicas e outras inspirações artísticas, políticas, pessoais etc. que se agregam à sua dramaturgia?

Durante o processo de escrita da peça e posteriormente, durante as suas muitas reescritas, li muita coisa que me serviu de fonte e inspiração. Cito Grace Passô, pela intensidade dos textos dela; Silvia Gomez também, li um texto dela justamente sobre os absurdos das muitas burocracias, “Mantenha Fora do Alcance do Bebê”; li também “Exploração”, de Gabriela Wiener, uma autoficção sobre colonialidade a partir do lugar dessa mulher peruana de pele marrom que vive na Espanha, foi muito provocante; outro livro que mexeu muito comigo foi “Perder a Mãe”, de Saidiya Hartman, pois trabalha com autoficção e com documentos de pessoas silenciadas; outra inspiração muito grande foi a artista Grada Kilomba, uma fala que ela faz na MIT, onde ela fala muito sobre esquecimento, memória e como a colonialidade se inscreve nos corpos e nos espaços da cidade, definindo quem tem direito a falar, quem tem direito à memória.

Como atriz e também como docente e pesquisadora de teatro, como essas outras áreas de pensamento e fazer artístico agregam e influenciam seu percurso na escrita?

Meu percurso como professora e pesquisadora de história do teatro, sem dúvida, tem a ver com minha escrita, mesmo porque a ideia inicial foi escrever sobre a memória. Sou professora de história do teatro brasileiro em uma faculdade do Nordeste brasileiro, então, quando venho para cá, começo a perceber de maneira mais evidente a lacuna que existe entre a história do teatro que aparece nos livros e o local onde estou que sequer é mencionado nos textos. Os próprios estudantes me fazem esse tipo de provocação, me levando a tratar mais da história com a perspectiva local. Por exemplo, coordeno o projeto Memória do TAM, voltado à preservação do acervo documental do Teatro Alberto Maranhão, que leva nome da elite local. Entretanto, os nomes dos retirantes que construíram o local não aparecem nos registros do acervo. Isso me provocou e provoca a pensar sobre quem é que tem sua memória preservada, seu nome preservado. As desigualdades aparecem até nessa questão de posteridade e perpetuidade. Logo, comecei a pensar em minha própria trajetória, no meu conhecimento sobre meus próprios antepassados. Isso, claro, tem a ver com o processo de embranquecimento do Brasil, forjando uma ideia de mestiçagem no século 20, expondo uma dificuldade de falar do passado pela chave da diáspora e criando dificuldades para falar de cor. Assim, pensei sobre a maneira como eu me vejo, como minha família se vê, e também pensei sobre minha trajetória, passando por Aracaju, Salvador, São Paulo, Paris, em um processo onde vou me desfazendo de mim de modo a caber em um determinado espaço, o espaço da branquitude. Isso tudo eu penso em “Depois da Fronteira”. Já como atriz, escrevo pensando o texto para a cena, pensando em atuar. Inclusive, estamos montando esse espetáculo com outras três professoras do curso na UFRN. 

Quais dicas você daria para outras escritoras e escritores negras e negros que também estão começando suas carreiras literárias e desejam escrever novas peças, desejam participar do Prêmio Solano Trindade do ano que vem?

Que a gente possa entender a escrita de uma dramaturgia e a posição da pessoa que escreve para teatro como possível para nós, pessoas negras. Isso nem sempre é fácil por conta de um processo historicamente construído que faz a gente associar a figura do autor à figura de um homem branco, erudito. Isso está muito distante de mim, da maneira como eu me enxergo. Até a gente perceber como isso nos impacta, nos paralisa, nos impede de nos apropriar desse lugar, vai um bom tempo. Se eu pudesse, eu encurtaria esse tempo. E quem nos ajuda a encurtar são essas referências, pessoas como Grace Passô. Ver essas pessoas nos encoraja a ocupar esse lugar. Nesse sentido, o Prêmio Solano Trindade tem uma importância enorme. Também, eu desejo que a gente pudesse perceber o teatro negro como um espaço plural, lugar onde cabem muitas narrativas e possibilidades, entendendo esse lugar como lugar onde podemos falar das nossas subjetividades. Digo isso porque eu fiquei com dúvida se esse meu texto seria lido a partir das perspectivas das questões raciais, se haveria espaço para isso, e acho que uma das maiores felicidades que tive com o prêmio foi poder ser validada e lida a partir desse olhar. Por fim, eu diria, e digo isso não só aos outros, mas também a mim, que a gente possa enxergar o exercício da escrita como um lugar justamente de exercício, se permitindo muitas coisas, inclusive fracassar – no sentido de tentar, errar, mudar, se acolhendo sempre. Os processos são muitos, primeiro do lugar de não se ver no lugar de autor de teatro, depois o processo de superar isso e então se acreditar na escrita, ver o lugar da escrita como lugar de experimentação e ensaio.

+ Leia a entrevista com César Divino

+ Leia a entrevista com Michel Xavier 

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