Nem tudo são cristais e nem tudo são bronzes: crítica da peça “Bronzes e Cristais”
Crítica da peça “Bronzes e Cristais”, texto produzido durante a oficina “Olhares: Poéticas e Possibilidades da Crítica Teatral”, curso gratuito de extensão cultural da SP Escola de Teatro, ministrado por Amilton de Azevedo. A peça foi assistida durante o Festival Satyrianas 2023, em outubro de 2023.
“Ai, mas que dia esplendoroso” diz a personagem Carmen no início da peça. Em seguida, ela continua contando sobre os móveis que só usa em momentos especiais, apresentando-os como membros importantíssimos para o dia esplendoroso. Carmen mostra a seleção da trilha sonora escolhida disco a disco e fala das flores que a amiga Eleonor está prestes a trazer para enfeitar a casa. Afinal, esse dia atípico é o dia em que elas darão uma festa para celebrar com os amigos. Carmen e Eleonor são duas senhoras que moram juntas.
Nos preparativos da festa que está prestes a começar, Eleonor e Carmen contam histórias vividas com os convidados que estão por vir. Entre elas, relembram das suas paixões não idealizadas, preconceitos sofridos, companheirismo, vida profissional, alegrias e tristezas que ambas passaram durante a vida. Uma atmosfera nostálgica toma conta, até que elas percebem que ninguém virá para festa. Muitos dos convidados perderam o contato e o único número de telefone marcado na agenda já não existe mais. Alguns já se foram, outros nem sequer se lembram da existência das duas. É então que percebem que só podem contar uma com a outra.
A finitude, os furos, a solidão. Como lidar com essas questões? Numa brincadeira de preparar uma festa, depois de se frustrarem pelo fracasso dela, Eleonor e Carmen desenvolvem juntas uma amizade repleta de humor. Compartilham suas experiências complexas cheias de contradições, dos prazeres e desprazeres que é viver, ajudando uma a outra a dar contorno para essas questões.
As meias-máscaras expressivas dão ainda mais vida à obra. As atrizes Camila Rodrigues e Ingrid Taveira se empoderam das expressões faciais das máscaras e complementam com suas próprias, utilizando formas de movimentar a boca e o corpo, criando imagens extremamente encantadoras de alguém que está na terceira idade (as atrizes são jovens, não sei dizer exatamente quantos anos têm, mas creio que não passam dos 35).
A relação das personagens com o cenário e figurino tornam a trama ainda mais interessante através dos gestos. Eleonor, ao perceber que a festa é no final uma grande bobagem, já que ninguém virá, recolhe as bebidas e os copos da mesa de jantar. Nesse movimento, percebe como a amiga Carmen fica triste com a constatação e, na tentativa de consolá-la, retorna tudo novamente a mesa. Num jogo de uma animar e a outra desanimar – não só nessa cena como também em outras – cria-se uma dança com elementos do cenário e figurino, dando um toque de humor em um momento de crise.
“Bronzes e Cristais” tem como referência a canção homônima interpretada pela cantora Maysa Matarazzo, cuja letra fala dos momentos não tão bons, representados pelo bronze, e dos momentos de glória, representados pelo cristal.
A peça nos faz lembrar que nem tudo são cristais, mas que também nem tudo são bronzes, especialmente quando temos uma companhia para compartilhar nossas angústias e alegrias.
Ficha técnica
“Bronzes e Cristais”, Cia. Travessias Escénicas. Atuação: Camila Rodrigues e Ingrid Taveira Direção: Marcos Nascimento, Cenografia: Travessias Escénicas Orientação de confecção de máscaras: Fernando Martins.
Naká trabalha com design floral, direção de arte e set design. Atualmente, além de projetos com grandes marcas, possui um ateliê criativo em São Paulo em parceria com a fotógrafa Pamela Alves, onde faz suas criações plásticas voltadas para o audiovisual e segue com estudos em cenografia e expografia pela escola Itaú Cultural.